O sublime
“DO”
A propósito do Caminho ou da Via , um dia escrevi: “cada um de nós fará o seu percurso, a sua
procura pessoal no seu trajecto de vida. Se estivermos atentos aos sinais, ela
dar-nos-á as oportunidades que deveremos saber aproveitar, no sentido de
evoluirmos como Seres melhores”.
A procura de uma harmoniosa sintonia com a Natureza, será por si
só uma via que nos pode levar ao caminho do auto conhecimento. A sua
grandiosidade e imensidão mostra-nos em contraste a nossa pequenez e
fragilidade. A simplicidade do equilíbrio entre os aparentes opostos, a
arrebatadora beleza das suas formas e contrastes de cores, sons e odores, a
tranquilidade e a paz que nos transmite leva-nos a suscitar e a desenvolver os nossos
sentidosmais profundos.
É nesta escuta que encontro o silêncio fundamental para a paz
interior e para a liberdade de pensamento. O amor, a justiça e o respeito pelo semelhante
e pela Natureza, serão como círculos que se propagam na água, em que cada um de
nós como elo de uma forte corrente poderemos contribuir para uma sociedade mais
digna dos valores da Humanidade.
Ao decidir colocar por palavras algo tão difícil de descrever,
faço-o num caminho percorrido de experiências, de histórias reais vividas,em
que tudo inicialmente começou por um simples impulso, uma mera curiosidade e
que pouco a pouco se foi transformando como numa segunda pele, que me foi
moldando no tempo e no espírito. Sim, olho e revejo nestas já longas quatro
décadas e meia muito do que outrora fui e que hoje sou capaz de compreender nas
perguntas e reflecções que tenho vindo a fazer e que me conduzem a um mar
imenso, no qual cada vez mergulho mais profundo.
Os Mestres, onde incluo necessariamente todos os meus alunos,companheiros
desta jornada, foram e serão sempre o “néctar” e a minha inspiração para continuar
esta caminhada de partilha,das artes e do saber.
Texto escrito pelo Mestre Fernando Moura e apresentado no
Estágio de Inverno 2019
O Kumite
O
Kumite, é a palavra japonesa que designa a expressão, “encontro de mãos”. Este “encontro” quererá certamente significar o
combate, uma prática que resulta do estudo do Kihon (prática individualsistematizada) e dos Kata (estudo das formas).
O
Kumite poderá ser efectuado com diferentes métodos e diferentes graus de
dificuldade, mediante os seus objectivos. Por norma ocorre entre o praticante e
um ou mais oponentes, mediante o seu nível de prática.
Nesta
relação, será muito importante que seprocure uma correta atitude interior, a
qual nos poderá evar à escuta de nós
próprios e do outro. Neste “diálogo” em que as palavras são substituídas por um
estado permanente deligação e harmonia, denominado por Zanshin, é imprescindível
sentir o corpo sem usar a mente, mantendo-o descontraído e flexível de modo a
poder agir naturalmente sem pensar em algo específico.
No
Kumite é necessário sentir e para sentir é indispensável mantermo-nos serenos,
tranquilos, com a mente calma como a água de um lago que em si tudo reflecte. Desta
forma conseguiremos sentir e prever mais facilmente as intenções e o Ki (energia primordial) do oponente,
movendo-nos em simultâneo com ele, como se de uma unidade apenas de tratasse.
É
fundamental que no Karate-do, tal como em outras artes do Budo, o Zazen (prática de meditação sentada) não seja esquecida
e seja praticado de forma diligente, pois é tão ou mais importante como a
prática dos Wasa (técnicas), sendo
responsável por nos conduzir a determinados estados de espírito, como por
exemplo o de não mente, ou mente vazia, em japonês Mushin (Mu-vazio, Shin-espírito).
Seria
desejável que na prática do Kumite tivéssemos sempre presente uma luta
permanente com o nosso maior adversário, o Ego.Ao fazermos um ataque, esse
deveria ser dirigido a nós próprios e esta atitude certamente nos iria fazer compreender que o combate não é com o outro, mas sim
connosco próprios.
Esta
diferente visão pode sem dúvida auxiliar numa melhor percepção e gestão
dos nossos sentimentos e as das nossas emoções,
as quais por vezes nos ofuscam e não nos permitem a lucidez suficiente para ver
e aceitar melhor os nossos erros e dificuldades, os quais nos impedem o
auto-conhecimento.
Compreender
verdadeiramente o Kumite, é transcender o próprio Kumite.
Texto escrito pelo Mestre Fernando Moura e apresentado no
Estágio de Inverno 2019